
Os escudos dos times italianos talvez proporcionem a forma visual mais eficaz de se contar a história do futebol no país. Mesmo fora da esfera do esporte, o modo como os clubes mudaram (e ainda mudam) seus emblemas serve de parâmetro para compreender acontecimentos históricos e movimentos socioculturais.
Embora as transformações recentes de clubes como Venezia, Modena e até Juventus apontem para uma adaptação muito mais preocupada com questões estéticas, há muitos casos com fundamentos mais objetivos. Mesmo fora do futebol italiano, mudanças radicais de escudo e até de nome explicam momentos históricos importantes, como os Palestra Itália no Brasil, que se tornaram Palmeiras e Cruzeiro na Segunda Guerra Mundial. Cada qual com um brasão próprio e um rebatismo.
Na Itália, há histórias similares, nas quais equipes se uniram para formação de outras. Seja o conglomerado dos representantes na capital do país, que formaram a Roma em 1927, ou a união entre Sampierdarenese e Andrea Doria, em Gênova, que selaram o nascimento da Sampdoria.
Os escudos dos times italianos, no entanto, sempre estiveram presentes. Literalmente, desde sempre. O início do esporte na Itália data dos anos 1800, mais precisamente em 1898, ano da primeira edição do campeonato italiano. Alguns anos antes, no entanto, já nascia um dos primeiros clubes, o Genoa. Mesmo os raros e poucos registros fotográficos do começo de tudo já indicavam a presença do que seria a primeira versão do escudo rossoblù, primeiramente com a simplicidade do fundo branco com a cruz vermelha (referência aos pais fundadores ingleses) e posteriormente com o icônico grifo, um dos mascotes mais conhecidos no calcio. Ainda que na época o mais importante fossem as cores, que diferenciavam um time do outro.
Hoje, há quase uma unanimidade sobre a importância de se ter um bom logotipo. Até mesmo para criar um perfil no Twitter, seja o “Brescia Mil Grau”, ou ainda um time local de rua ou bairro, a criação de uma identidade visual está bem viva e atrelada ao futebol. Uma observação relevante, todavia, é a menção do termo “logo” ou “logotipo”. Conforme o tempo foi passando e os motivos para as atualizações de escudos mudando, os vocábulos “escudo”, “brasão” e “emblema” chegaram a ficar em segundo plano num processo de modernização exagerada, que acabou provocando certa revolta e resistência de parte dos torcedores.
O ponto é: os escudos dos times italianos, ainda que alvos de revoluções gráficas arrojadas, sustentam a história e até ajudam a contá-la. Da simples exibição de um fundo branco com uma cruz vermelha ao logotipo estilizado destacando a letra inicial do time, essas identidades, cores e formas também são parte fundamental do calcio. Seja dos times, da seleção italiana ou até mesmo das próprias competições.
A história

A história do futebol na Itália, conforme documentada no livro Calcio – A History of Italian Football, de John Foot, começa em Turim, por volta das décadas de 1880 e 1890. Há controvérsias sobre datas e origens, mas acredita-se que a concepção do futebol italiano tenha sido o jogo entre o Genoa Cricket and Football Club e o International Football Club di Torino (a primeira squadra italiana da história). Portanto, estamos falando de mais de 100 anos da prática do esporte no país, entre momentos absolutamente amadores e coroações de scudetti, Copa Itália, etc.
Os dados mais concretos e respeitados atualmente dizem que o Genoa teve sua fundação realizada em 1893, levando igualmente o primeiro título do campeonato italiano em 1898. Para a história do calcio em si, ambos os acontecimentos são bem notáveis. Contudo, pensando nos escudos dos times italianos, há uma interpretação ainda mais substancial.
O site Passione Maglie publicou um longo artigo, que é mais um estudo sobre os emblemas dos clubes da Itália do que uma matéria em si. O conteúdo lembra que a realização da primeira edição do campeonato italiano já tinha provocado o surgimento de 4 equipes, das quais somente o Genoa segue ativo até hoje. Com o passar dos anos, o mesmo movimento futebolístico desenvolvido em Turim e Gênova acabou percorrendo outros lugares, como Milão, Bologna, Vercelli, Udine e posteriormente na capital e sul do país (Nápoles e Palermo).
As raríssimas primeiras imagens dos times dessas localidades exibem duas coisas bem fascinantes: as cores e os escudos. Tomemos o Milan como exemplo. Em 2015, o clube disputou a temporada tendo na camisa principal um escudo bem diferente do mais conhecido e usado. No canto superior direito do peito, o uniforme exibia um escudo clássico branco com uma cruz vermelha. Esse emblema foi uma referência (pra não dizer cópia) do primeiro utilizado pelo rossonero. A propósito, mesmo a versão oval do escudo, aquela que nos acostumamos a ver, também exibe semelhante combinação desses elementos.
Mas por que?
Bem, o Milan é um excelente exemplo para falar da origem dos escudos dos times italianos. Porque a tal cruz vermelha sobre um fundo branco nada mais é do que o símbolo de Milão. No começo de tudo, a forma como os clubes se diferenciavam em campo era por meio das cores e desses símbolos. Além do tal escudo representativo da cidade, o Milan acabou adotando o vermelho (no sentido de um tom diabólico de seu futuro mascote, o diabo) e o preto (supostamente o escuro que provoca medo nos adversários).
A cruz está ligada à bandeira de Milão desde sua primeira aparição em 1160. O vermelho representava a nobreza, o branco o povo, unidos neste símbolo.
.Artigo do Milan sobre origem as próprias cores
Ainda em Milão, a Inter é outro bom exemplo de como os escudos dos times italianos foram criados e se desenvolveram. Ora, se o rival optou por vermelho e preto, de onde saiu o azul da outra parte do Derby Della Madonnina? A história contada frequente, sempre carregada de muita “poesia”, algo típico no futebol italiano, é que a inspiração veio dos céus escuros e azuis durante as noites de Milão. Contudo, a referência a outro emblema já existente em Milão não foi esquecida. No caso dos nerazzurri, a homenagem foi feita ao escudo da família Visconti, fundadora do Ducado de Milão. No caso, não foram as cores que acabaram transportadas, mas sim o biscione (cobra), que se tornaria mascote oficial da Inter.
Assim como o Milan, o exemplo do rival é bem importante para explorar a origem dos emblemas, mas com foco nos mascotes. Muitas das primeiras versões dos escudos dos times italianos já apresentaram versões iniciais dos mascotes, que permaneceriam (o touro do Torino, o lobo da Roma, o elefante do Catania, entre tantos outros).
Repare abaixo na imagem publicada pelo Passione Maglie, a capa do Sport Illustrato indica a representação visual dos times italianos em 1913. Trata-se de uma boa perspectiva da evolução dos emblemas, de como as “preocupações” iniciais eram cores e algumas primeiras alusões aos mascotes.

O formato oval

Há uma particularidade que nem mesmo os fãs mais apaixonados e vigilantes do futebol italiano costumam perceber: o formato oval dos escudos. Pensando rápido, a Premier League costuma ter muitos leões nos brasões das equipes. Já na La Liga, as coroas acabam aparecendo no topo de diversos logotipos. Na Bundesliga, por outro lado, nada chama muita atenção quando procuramos por um padrão óptico. Mas se tem uma coisa comum na Itália são os escudos ovais.
Curiosamente, não há nenhum estudo ou sequer artigo que indique o porquê da forma ser tão popular no futebol italiano – e só no italiano mesmo. No princípio de tudo, os escudos eram escudos, de fato. Aliás, é por isso que utilizamos esse nome (entre outros) para falar da identidade visual. Afinal, o formato lembra exatamente o instrumento de proteção em tempos de duelos com armas brancas.
Uma hipótese – e apenas isso – para explicar essa tradição é simplesmente a Juventus. Os primeiros registros dos emblemas da vecchia signora já exibiam as icônicas listras preta e branca, mas principalmente o formato oval. Com o passar do tempo, o clube acabou se tornando o principal representante e influenciador do futebol italiano (maior número de títulos, maior torcida, etc). Será que a forma do seu escudo não inspirou os clubes que nasceram depois?
Mesmo se a resposta para essa pergunta for negativa, podemos recorrer uma vez mais às principais ligas da Europa e ainda incluir o Brasileirão para atingir a conclusão de que é um estilo gráfico, de fato, italiano. Temporada após temporada, mesmo com a atualização de tabelas por meio das promoções e rebaixamentos, o mais normal é encontrar de 3 a 5 times com escudo oval em cada uma das três principais divisões.
Por outro lado, competições como a La Liga, Bundesliga e Brasileirão quase nunca incluem times com emblemas ovais. Entre 2015 e 2025, por exemplo, o único caso digno de menção é o do Freiburg, no campeonato alemão. Todavia, nada altera o fato que existe e sempre existiu uma tendência deste design no calcio.
Mais exemplos: Napoli, Inter e Roma. Basta pensar nos seus brasões para lembrar que nenhum deles têm nada de oval, é verdade. No entanto, mesmo essas equipes, em algum momento de suas histórias, tiveram versões que seguem esta prática, o que só reforça a preferência dentro do futebol italiano. As histórias dos escudos dos nerazzurri e rossoneri também são excelentes referências.
Pensar no Bologna também é um bom exercício. Afinal, trata-se de um dos clubes mais antigos da Itália e que quase toda a vida, desde a fundação, manteve o formato icônico do emblema, alterando somente os tons de rossoblù (vermelho e azul).
A única forma mais factual de tentar entender o porquê de tantos escudos dos times italianos serem ovais é a Art Nouveau. Como dito anteriormente, os acontecimentos futebolísticos na Itália partiram entre 1880 e 1890, com a primeira edição do campeonato sendo realizada em 1898. O portal História das Artes define a Art Nouveau como:
Um movimento artístico que surgiu no final do século XIX na Bélgica, fora do contexto em que normalmente surgem as vanguardas artísticas. Vigorou entre 1880 e 1920, aproximadamente. Existia na sociedade em geral o desejo de buscar um estilo que refletisse e acompanhasse as inovações da sociedade industrial
Trecho do artigo do site História das Artes
Olhando o intervalo dos anos, dá para perceber que ambas as coisas surgiram e se desenvolveram no mesmo período. Contudo, isso não é o suficiente para atrelar uma a outra. O melhor caminho é olhar para outras evidências. No portal turístico oficial de Bologna, há a informação de que cidade e comuna foram os berços italianos dessa atividade artística. Tal informação é muito substancial, pois podemos conectar isso a outros atributos do Art Noveau:
A sociedade aceitou novos objetos, móveis, anúncios, tecidos, roupas, joias e acessórios criados a partir de outras fontes: curvas assimétricas, formas botânicas, angulares, além dos motivos florais.
Trecho do artigo do site História das Artes
Quando unimos todas as referências, podemos concluir que há no mínimo uma grande coincidência entre a tendência visual e os escudos dos times italianos em formato oval. O movimento artístico sequer surgiu na Itália e percorreu outros países. Em solo italiano, a propósito, o nome dado foi “Stile Liberty”. Todavia, o batismo personalizado na terra do calcio tende a não ter sido a única singularidade. A comparação entre desenhos, esculturas e pinturas que são símbolos do Art Noveau e os primeiros brasões de clubes, como o Bologna ou a Pro Vercelli, indicam uma influência até mesmo no futebol.
As semelhanças talvez não sirvam para justificar plenamente a forma da maioria dos emblemas dos times italianos. Ainda assim, é pertinente conectar elementos que podem ter levado a isso. No caso das “curvas assimétricas” e “formas botânicas”, é fácil visualizar como os textos são escritos no interior dos escudos, especialmente das primeiras versões, posicionados numa linha angular, quase como uma adição de perspectiva em qualquer editor de imagens.

Minimalismo

Ainda sobre o tema, mas progredindo na linha do tempo dos acontecimentos, dois termos são relevantes e nos levam ao dicionário para continuar a exploração dos escudos:
Evolução: Progresso; processo em que há modificação constante e progressiva, alterando um estado ou uma condição.
Minimalismo: Procura de soluções que requeiram um mínimo de meios ou de esforços
Mas por que “evolução” e “minimalismo” são essenciais para falar sobre os escudos dos times italianos? Bem, se você acompanhou as notícias aqui no Golazzo, reparou que foram vários os casos de equipes que mudaram radicalmente seus emblemas, quase sempre citando exatamente os dois termos em longas justificativas. De prontidão, é permitido citar Venezia, Hellas Verona, Palermo, Modena e Juventus.
Começando por “evolução”, não é recomendável ficar preso ao significado literal da palavra. Por mais que os times o tenham utilizado no ato da apresentação dos novos emblemas – mesma coisa para o título deste artigo -, o ato de evoluir está mais para dar o passo seguinte a uma nova fase, mas não necessariamente para uma melhor. Todavia, não pisaremos ainda no campo da opinião.
Já o “minimalismo” não há margem para outra interpretação. De uns tempos para cá, mais precisamente em 1º de julho de 2017, data do anúncio do novo escudo da Juventus, surgiu no futebol internacional, sobretudo no italiano, uma grande onda de reformulação de brasões seguindo as tendências minimalistas.
Na prática, trata-se de um redesenho da identidade visual, numa tentativa de dizer muito, mas com menos elementos. O “problema”, se é que há um, é que a mudança é explicitamente brusca. Times que passaram anos mudando pouco de um formato oval, por exemplo, saltam para a exibição de uma letra suspensa e pouquíssimos componentes ao redor.
Talvez seguindo o mesmo caminho da influência dos primeiros times italianos, que possivelmente inspiraram escudos dos que vieram no futuro, a Juventus é tida como a pioneira da tendência minimalista. Quando apresentou a troca, quem estava acostumado com o clássico e mais conhecido emblema oval acabou surpreendido por um “J” solitário, bem distante do padrão verdadeiramente “escudo” do futebol. Mais tarde, o próprio clube revelou detalhes que certamente passaram despercebidos à primeira vista: as cores, a forma do scudetto, etc.
Depois da Juve, equipes de todas as divisões do futebol italiano acabaram seguindo a mesma direção. Na elite, o Hellas Verona também abandonou o modelo oviforme para adotar um grande “V” e outros itens representativos do gialloblù (os cães, a escada, etc). Algo bem próximo foi observado quando o Venezia apresentou seu novo logotipo, um “V” dourado, pouco espaço para as cores laranja e verde e uma “menção” ao leão de São Marcos.
Há vários outros casos, mas a citação mais necessária é a do Modena. Além de integrar a lista daqueles que deixaram o emblema oval no passado, o clube da Emilia-Romagna simplesmente adotou o seu mascote, o canário, como o escudo principal. O resultado foi uma transformação abrupta, que lembrou muito o Tottenham.
A quem não aprova esse direcionamento, há mudanças minimalistas que não exageraram tanto. O melhor exemplo disso é a Fiorentina, que acompanhou os demais, é verdade, mas não optando por uma suspensão de letra, e sim um redesenho do icônico losango estilizado. Entretanto, absolutamente todos eles, incluindo o da viola, se tornaram alvo de críticas pesadas e protestos dos torcedores, mas sem efeito ou reversão.
Ainda buscando afastamento das opiniões individuais, uma contestação acaba unindo os discursos contrários a essas reformulações: as cores. Não só no futebol italiano, as cores são fundamentais para moldar a identificação dos clubes. Muitos deles acabam apelidados por esses atributos: os reds, os blues, os bianconeri, os nerazzurri, o alviverde, etc. Pois basta analisar a imagem que ilustra a seção deste artigo para comparar as duas versões dos escudos e notar o quão “destrutivo” é o minimalismo. Na ânsia pelo uso de poucos elementos, os designers acabaram com pouco espaço para exibição das cores. O melhor/pior exemplo disso é o Palermo, cujo novo brasão, um “P” com componentes da águia, seu mascote, tem apenas uma partícula na cor rosa, que é e sempre foi a grande identificação da equipe siciliana.
Scudetto

Não tem como falar sobre os escudos dos times italianos sem mencionar aquele que talvez seja o principal de todos. Não se trata precisamente do símbolo de uma equipe específica, mas da representação do título mais importante do futebol da Itália: o scudetto.
“Vencer o scudetto” ou “Quem tem mais scudetti?”. Esses comentários e indagações são bem comuns na cobertura e consumo de informações sobre o calcio. O termo “scudetto” se tornou tão popular até mesmo na língua portuguesa que nem é tão simples encontrar uma tradução. Narradores e torcedores fazem citações frequentes sem nenhuma cerimônia.
“Scudetto” é o vocábulo no singular e “scudetti” é a versão no plural. Ambos significam a mesma coisa:
O scudetto é o símbolo da vitória do campeonato de futebol italiano. A equipe vencedora do campeonato italiano de futebol, além do título de “Campeã da Itália”, também ganha o direito de aplicar (na temporada seguinte) o escudo tricolor [verde, branco e vermelho] em suas camisas de jogo.
Parágrafo retirado de artigo do Focus
A regra já é de conhecimento público, mas não custa lembrar. Há determinações bem claras e rígidas sobre o que estampar e como estampar nas camisas de futebol da elite do esporte na Itália. Certa vez, inclusive, a liga se meteu em uma polêmica ao publicar um documento de regulações que simplesmente proibia o uso de camisas verdes. Mas e o Sassuolo? A medida foi explicada e removida posteriormente.
Mas outras se mantém até hoje, como por exemplo a exibição de estrelas acima do escudo – a cada 10 títulos do campeonato italiano, o clube pode bordar uma estrela. Outro exemplo: a taça da Copa Itália funciona exatamente como um scudetto, isto é, na temporada seguinte ao título, o campeão estampa um símbolo circular tricolor, normalmente na região central da camisa.
No artigo do Focus, a origem da tradição do scudetto é atribuída ao poeta Gabriele d’Annunzio, porém diversas outras fontes dizem a mesma coisa. Até mesmo a própria federação italiana de futebol já reafirmou a origem em comunicado à imprensa. A história contada chega a mencionar com precisão a data de 7 de fevereiro de 1920. No dia, D’Annunzio teria sido o responsável por organizar uma partida amistosa de futebol entre soldados e civis. Para diferenciar uma equipe da outra, ele propôs a substituição do escudo do reino da Itália (vermelho com uma cruz branca), que aparece nos uniformes da Azzurra nos títulos da Copa do Mundo de 1934 e 1938, por um scudetto nas cores verde, branca e vermelha. Alguns anos mais tarde, pontualmente em 1924, a “regra do campeão” surgiu na elite do campeonato italiano de futebol.
Outra fonte boa sobre o tema é o livro Il Mio Nome È Scudetto, de Marco Impiglia. Em tradução livre, se lê O Meu Nome É Scudetto, história do símbolo mais amado dos italianos. A obra foi alvo de uma longa análise crítica do portal Storie Di Calcio, que explorou ainda mais o assunto, pontuando toda a transição do escudo sabaudo (da cruz branca no fundo vermelho) para o tricolor, mas adicionando materiais relevantes. Por exemplo: o artigo faz uma observação sobre a atribuição ao “primeiro scudetto” ao poeta d’Annunzio, que é tratado como fato, mas que não deve ser interpretado como o “primeiro scudetto representativo de título do campeonato italiano”. Essa condição, segundo a matéria, deve ser direcionada para o que fez o Genoa, primeiro campeão nacional em 1898.

Ainda de acordo com informações da crítica, as versões dos símbolos de D’Annunzio e o criado pelo rossoblù de Gênova acabaram sendo muito parecidos, ainda que desenhados de forma independente. O primeiro é bem similar ao visto nas camisas de hoje em dia. Enquanto o segundo possui a cruz branca no fundo vermelho ao centro. Em 1924, a versão genovesa foi aceita e aplicada pela federação, dando início à correspondência entre os termos “título” e “scudetto”. Ainda que a obra de D’Annunzio seja respeitada e vinculada ao nascimento do símbolo mais importante do futebol italiano.
A versão que conhecemos e vemos hoje, no entanto, surgiu somente em 1945 graças a uma iniciativa do Torino. Os acontecimentos políticos sempre acabaram influenciando e participando da história do futebol na Itália. Basta lembrar da união forçada de equipes pelo fascismo, que provocou o surgimento da Roma. No caso do scudetto, o abandono do emblema sabaudo para o definitivo veio no cenário devastado do pós-guerra.
Naquele ano, o Torino, O Grande, estava no meio do ciclo vencedor de títulos em sequência – mais três viriam nos anos seguintes. Atual campeão, o granata foi convidado para um amistoso de pré-temporada na Suíça. Nem mesmo o artigo do Storie di Calcio confirma, mas os principais nomes do clube, incluindo os jogadores, demonstraram preocupação em causar uma conexão entre o Torino e cenário ainda delicado e lamentável do pós-guerra. Tanto que optaram por remover manualmente o “FIAT” das camisas, patrocinador atrelado aos eventos belicosos, e também pela adoção de um scudetto republicano, ou seja, sem a cruz ao centro. Para surpresa de muitos ou não, nem mesmo a federação protestou e proibiu a modificação, que se tornou a versão que todos os amantes do calcio conhecem atualmente.
Escudos dos times italianos
Seja por um motivo ou por outro, uma refundação, uma imposição política ou simplesmente o desejo pela modernização, os escudos dos times italianos seguem em constante mudança.
Confira abaixo a retrospectiva de brasões dos principais times do calcio:
Evolução do escudo da Juventus

Os escudos da Juventus muito provavelmente influenciaram o design de todos os demais clubes italianos. Fundada em 1987, a Juve é um dos times mais antigos da Itália. Mesmo nos primórdios, a tendência do uso do formato oval já era observado na identidade bianconera. O Genoa, que surgiu antes, não adotou essa tendência, o que pode credenciar a vecchia signora como pioneira na temática.
A primeira versão do escudo da Juventus, formatada em 1905, conta histórias que não podem ser conhecidas apenas pela observação do efeito visual. Uma delas até pode, que é a exibição de uma faixa com uma frase em latim: “Non coronabitur nisi legitime certaverit”, atribuída a São Paulo e que pode ser traduzida como “Não recebe a coroa quem combate sem seguir as regras”.
Porém, a questão das cores é o mais curioso, pois nos primórdios a Juve era rosanera, assim como o Palermo nos dias de hoje. Tanto que o surgimento do primeiro escudo marca exatamente a mudança do uniforme rosa e preto para branco e preto. O uso do rosa como cor principal, que durou de 1899 a 1903, se justificou por ser o uniforme do Liceo D’Azeglio, colégio frequentado pelos fundadores do time. É por isso que, de tempos em tempos, a Juventus volta a lançar uniformes neste tom.
Desde a primeira grande transformação, o escudo se alterou de maneira tímida, focando apenas na quantidade de listras verticais brancas e pretas. Uma mudança significativa foi a adição da zebra enquanto símbolo e mascote, ação atribuída ao cartunista Carlo “Carlin” Bergoglio, em 1928.
Os times italianos costumam carregar em seus nomes e identidades os símbolos das cidades das quais pertencem. No caso de Turim, o touro é visto em quase todo documento ou imagem oficial atrelada à cidade. Pois a Juventus fez a substituição momentânea de um animal pelo outro. Ainda que, às vezes, eles sejam confundidos, pois estão costumeiramente exibidos na mesma posição.
Nenhuma mudança, porém, chega aos pés do que foi apresentado pelo clube em 2017. Numa alteração brusca e inédita para sua história, a Juve abandonou o formato oval, mas não trocou o emblema pela silhueta de um touro ou uma zebra. Na ocasião, foi apresentado aos torcedores um escudo minimalista no formato de um “J”.
Há uma versão considerada “completa”, mas que raramente é utilizada pela equipe. Na realidade, a adoção do tal “J” acabou disparando uma onda minimalista na Itália, que fez clubes como Venezia, Hellas Verona e Palermo seguirem a mesma ideia e utilizarem formas de letras como suas identidades principais.
Evolução do escudo da Inter

Os escudos da Inter sofreram tamanha evolução ao longo dos anos que podem ser usados para entender todas as tendências de design na Itália.
Embora para muitos as alterações tenham sido apenas os tons de azul e amarelo dentro de um inalterável círculo, muitos desenhos foram testados entre a fundação, em 1908, e os anos 70, até finalmente chegar ao icônico modelo redondo.
Até encontrar uma identidade, a Inter testou muita coisa. O único elemento que se manteve presente durante quase todos os mais de 100 anos de existência dos nerazzurri foram as iniciais F C I M, que significam “Foot-Ball Club Internazionale Milano”, nome aplicado no ato da fundação. Os escudos mudaram bastante, é verdade, mas a disposição das letras quase sempre esteve lá, ainda que com uma caligrafia entrelaçada e por vezes de difícil identificação.
Assim como aconteceu no Brasil com Palmeiras e Cruzeiro, a Inter foi mais uma “vítima” de um sistema autoritário. Em 1929, o clube foi obrigado pelo sistema fascista italiano a abandonar o nome de fundação e adotar o “Ambrosiana”, em homenagem a Santo Ambrósio, patrono de Milão. A imposição, todavia, se estendeu também para o escudo, que passou a exibir um fasce (fascio), além dos emblemas da família Visconti (com a imagem da cobra) e de Milão (o da cruz vermelha, que segue até hoje no logotipo do Milan).
A “versão fascista” durou apenas um ano, mas o nome Ambrosiana se manteve. Em 1933, a equipe lançou pela primeira vez um escudo quadrado, destacando ainda as palavras “Associazione Sportiva”, que faziam parte do novo nome após o rebatismo. Esse ciclo se encerra em 1945 com o fim da segunda guerra mundial. A Inter volta a ser a Inter com nome, cores e escudo.
Desse momento até os anos 70, as mudanças visuais significativas aconteceram duas vezes, ambas valorizando o biscione (a cobra), animal que é visto no emblema da família Visconti, inspiração para nascimento do clube e adoção do mascote. Apesar disso, não é a exibição da cobra que chama atenção, mas sim o formato do brasão, que uma vez mais deixou de ser redondo para surgir em um modelo oval (1960) e posteriormente numa forma de escudo de guerra francês clássico (1979 a 1989).
Evolução do escudo do Milan

Do momento da fundação até os dias de hoje, os escudos do Milan mudaram pouco e quase sempre estamparam as mesmas influências e referências para o seu surgimento.
Algo visto com enorme clareza em praticamente todas as versões do brasão do rossonero é a cruz vermelha num fundo branco. A alusão é costumeiramente feita às origens inglesas, o que não está errado, pois o Milan foi fundado por um inglês, Herbert Kilpin. Contudo, conforme o próprio clube defende, o primeiro uso da cruz como representação de algo está registrado na criação do brasão da República de Gênova e, posteriormente, por meio da adoção do mesmo desenho para representação do Carroccio, símbolo do município de Milão. Ainda que a atribuição da imagem à Santo Ambrósio também seja feita.
Justificado o uso da cruz, é preciso pensar na seleção das cores vermelha e preta, e do diabo enquanto mascote. Ambos os elementos foram citados pelo próprio Herbert Kilpin no ato da fundação do Milan. A frase atribuída a ele é a seguinte:
“Seremos um time de demônios. Nossas cores serão vermelho como fogo e preto como o medo que causaremos em nossos oponentes!”
Conectando essas informações à trajetória dos escudos do Milan, fica fácil de identificar o padrão da combinação das listras vermelha e preta, sempre posicionadas à esquerda da cruz vermelha num fundo branco. O formato oval também quase sempre foi o preferido, sobretudo dos anos 70 em diante.
O único elemento que demanda um pouco mais de explicação e contexto é a figura do diabo. Imagens diabólicas foram utilizadas pelo Milan diversas vezes, quase sempre em estilo cartoon, entre os anos 1960 e 1970. Entretanto, a versão apresentada em 1980 é a mais famosa, tanto que acabou sendo reutilizada diversas vezes em materiais de treino e outras divulgações.
Quando olhamos com mais atenção, é possível detectar pelo menos três peças desse escudo que ajudam a passar a mensagem minimalista e diabólica:
- No canto superior esquerdo, a imagem da face de um diabo, com olho triangular e sorrindo
- Ao centro, uma chama, que remete ao fogo citado pelo fundador do clube
- À direita, o rabo pontiagudo, reforçando o aspecto diabólico do escudo
Evolução do escudo da Roma

Os escudos da Roma mudaram diversas vezes ao longo dos anos, ainda que seja possível afirmar que um padrão foi encontrado e firmado a partir dos anos 1970, com o famoso brasão em formato de escudo clássico de guerra.
Apesar disso, a própria origem do clube da capital é extremamente relevante para qualquer discussão sobre a evolução dos seus emblemas. Isso porque a fundação, registrada em 1927, ocorreu por meio da união forçada (a mando do regime fascista) de três outros times: Alba Roma, Roman Football Club e Fortitudo Pro-Roma.
Pensando na versão atual do escudo da Roma, dá para visualizar uma combinação dos três emblemas. Todavia, cabe uma análise apartada e individual dessas artes.
O Alba Roma, por exemplo, até exibe a imagem da loba capitolina amamentando os bebês e irmãos Rômulo e Remo, figuras mitológicas e atreladas à fundação de Roma. Porém, o que mais chama atenção são os tons verde e branco, o que explica nitidamente porque um clube cujas cores são o amarelo e vermelho eventualmente lança materiais esverdeados. Nada mais é do que uma homenagem ao clube Alba Roma.
Já o Roman Football Club, com nome em inglês, talvez tenha transferido para a futura AS Roma somente as cores. Ainda que o formato do escudo seja semelhante ao que se tornou o oficial dos giallorossi, todos os outros elementos foram descartados, incluindo o nome e a imagem da bola de futebol.
Por fim, o Fortitudo Pro-Roma acabou sendo o clube originário que mais deixou legados visuais, a começar pelo nome. Do seu escudo, com exceção das faixas azuis e vermelho, foram preservados o formato e a posição da imagem da loba capitolina com os irmãos Rômulo e Remo, na parte superior. Após a fusão dos três times, a parte inferior do emblema ficou ocupada pelas iniciais ASR (Associazione Sportiva Roma).
Ao longo dos anos, o escudo da Roma acabou mudando diversas vezes, tanto em formato quanto em “informação”. O design circular, pouco visto no futebol italiano, também já foi adotado algumas vezes.
As principais alterações registradas estão relacionadas ao uso (ou não uso) da loba capitolina. Por se tratar de um símbolo oficial da Comune di Roma, a exibição da figura acabou vetada por certo tempo. Essa é a justificativa mais comum para explicar todas as vezes que a Roma utilizou um brasão com mais texto, como as iniciais do seu nome completo, do que ilustrações.
Por falar em texto, há pelo menos duas observações importantes. De 1997 em diante, por mais que pareça que o logo giallorosso não tenha se alterado, o clube optou por substituir as iniciais ASR pela grafia de “Roma” por completo.
Em segundo lugar, é muito comum que, seja em uniformes ou algumas publicações, a Roma utilize as iniciais SPQR. A grafia é uma abreviação de Senatus Populusque Romanus, que em português pode ser entendido como “O Senado e o Povo de Roma”. A mesma sigla é vista no emblema oficial da cidade, feito nas cores vermelho e amarelo, as mesmas da Roma.
Evolução do escudo da Lazio

A Lazio é outra equipe italiana que, fazendo uso de suas cores e símbolos, criou os mais diversos escudos ao longo de mais de 100 anos de história.
A biancoceleste (branco e azul celeste) foi fundada em 1900, fato lembrado constantemente pelo próprio clube por meio da emissão da frase “a primeira squadra da capital”, em clara referência de deboche à rival Roma, surgida 20 anos mais tarde.
“As cores serão as mesmas da Grécia”, disse Luigi Bigiarelli no ato da fundação do clube. Isso explica o uso do branco e do azul desde os primeiros dias de vida da Lazio. Tanto que o primeiro escudo é uma versão simples, chamada de “escudo suíço” pelo próprio clube, todo em azul celeste com uma faixa branca na diagonal.
Fundada como um clube de corrida, a Lazio incorporou o futebol somente em 1901. No entanto, foi apenas em 1905 que aconteceu a estreia do escudo que acabaria definindo a identidade do clube e influenciando todos os demais emblemas. Foi neste ano que a águia apareceu pela primeira vez dentre os desenhos, em alusão à mesma “águia imperial romana”. O detalhe fica pela inclusão de uma faixa segurada pelo bico da ave com a escrita “S. Podistica Lazio”. Em português, “Sociedade de Corrida Lazio”.
A águia se tornou tão importante para a equipe que, além de se tornar mascote oficial, acabou aparecendo em todas as versões do escudo da Lazio ao longo dos anos, com exceção do intervalo 1920 a 1948. O período é igualmente marcante porque registrou o lançamento de escudos alternativos, alguns num tom de azul diferente (mais “azzurro” e menos celeste), mas sobretudo pela interferência do regime fascista, que afetou praticamente todos os clubes da Itália. Foram forçadas a atualização do nome da equipe para SS Lazio e a exibição de um “fascio”.
Outro momento relevante foi a década de 80, quando boa parte dos clubes italianos decidiu adotar o minimalismo na formatação de seus escudos. A Lazio apostou na exibição da águia estilizada para o seu “emblema social”, que acabou transportado para as camisas de futebol. Embora essa tendência tenha se encerrado no início da década de 90, o time da capital voltou a usá-los pontualmente nos anos 2010 e 2020.
Evolução do escudo do Napoli

Os escudos do Napoli estão dentre os mais tradicionais do futebol italiano. Desde a sua fundação, o clube azzurro demorou questão de meses para encontrar a identidade visual que seria preservada por quase cem anos, protocolando apenas algumas ligeiras alterações de cor e desenho.
Assim como outras equipes, o Napoli também escolheu um ícone local para estampar seu escudo no ato da fundação, em 1926. Todavia, o animal selecionado primeiramente não foi o burro, que mais tarde se tornaria seu mascote, e sim o mítico cavalo napolitano. Ao selecionar o animal, o desenho do emblema praticamente foi feito sozinho: um formato oval, o fundo totalmente azul, o animal erguido em duas patas e as iniciais de Associazione Calcio Napoli.
Curiosamente, o Napoli acabou alterando mais vezes o seu nome do que o seu brasão. No futebol italiano, como se sabe, é lamentavelmente comum ver equipes falindo e ressurgindo com novos nomes, até por uma questão legal. A denominação “Società Sportiva Calcio Napoli” foi registrada pela primeira vez em 1947, mas precisou ser recuperada em 2006, após episódios de rebaixamento, falimento e ressurgimento.
Já o escudo redondo com a letra “N” maiúscula ao centro foi adotado logo no primeiro ano de vida da equipe e não se alterou nunca mais. Ao longo dos anos, a única alteração aplicada foi a modernização do emblema de acordo com a tendência de cada década.
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Jornalista e admirador de quase tudo que venha da Itália – especialmente gols e comida. Jamais identificado com a cobertura do campeonato italiano, fundou o Golazzo para noticiar, entrevistar e opinar sobre o calcio.