Revista Golazzo #4 – Na batata quente entre streamings, quem queima a mão é o torcedor

REVISTA GOLAZZO 4
As mudanças no hábito de assistir ao futebol em tempo real (Golazzo)

O título desta “revista de artigo único” entrega sem mistérios o tom daquilo que será lido a partir daqui. Contudo, nesta espécie de disclaimer, deixo claro também que sou defensor da nova proposta de assistir ao futebol ao vivo fora da TV convencional.

Comecemos por aí.

Qualquer um que já recorreu ao Netflix ou alguma plataforma semelhante já deixou no passado aquele hábito de “pescar” filmes ou séries na TV. Não há a menor comparação entre as duas experiências, e falar de “praticidade” e “autoridade” já praticamente encerra a conversa.

A verdade é que o Youtube acabou nos acostumando com um poder e um controle que são difíceis de não serem levados para outras plataformas. A chance de não mais ficar a mercê de um conteúdo, e sim poder escolhê-lo quando e onde desfrutá-lo, ou até mesmo produzi-lo, são passos importantes em direção a um futuro.

As próprias redes sociais oferecem isso. A própria existência do Golazzo é prova disso. Ora, não contente com o modo como o campeonato italiano é disseminado, resolvi eu disseminá-lo à minha maneira.

Tudo isso ajuda a começar a explicar o porquê de eu, a exemplo de tantas pessoas, não possuir TV convencional em casa há dois anos. Segundo pesquisa repercutida pela Folha, “menos pessoas estão assistindo à TV ao vivo”. O artigo completo deixa claro que não é possível conectar e justificar o fato com a ascensão do streaming, é verdade. Porém, “houve mudança de hábito”. O que já é suficiente para aceitar que o velho sistema que nos impede de participar da escolha não serve mais.

Mas, então, o streaming é a solução? É, de fato, a melhor opção para assistir ao futebol em tempo real?

Talvez.

Não há como debater sobre o tema sem citar entraves sensíveis e perigosos. A começar pelo fator antidemocrático. Será que, removendo de vez as atrações da TV tradicional, não vamos excluir uma larga camada da sociedade que simplesmente não tem internet? Ou que sequer sabe o que é streaming? Aqui deixo de fora o fator de elitização pela cobrança de assinatura. Estamos falando de um futebol europeu que sempre esteve na grade da TV fechada, que também demanda assinatura cara desde sempre.

Outra desvantagem: estrutura. Será que essas plataformas têm capacidade, competência e responsabilidade para transmitir uma final de Copa do Mundo? A primeira rodada do campeonato italiano 2021-2022 teve um problema sério com isso, e serviu de alerta. O sistema do DAZN, que manda na transmissão lá na Itália de maneira praticamente exclusiva, não deu conta de exibir dois jogos simultaneamente. A imagem de parte dos minutos iniciais da primeira rodada ficou completamente travada.

Enfim, com todas as cartas na mesa, chego ao ponto central da minha crítica. Falando do hábito de assistir a jogos do futebol internacional, o streaming é a melhor saída. O problema está no jargão liberal de que “a concorrência do mercado favorece o consumidor”. Isso claramente não se aplica no caso em questão.

Em momento recente, o torcedor que acompanha a Premier League precisou assinar um pacote de TV a cabo e o DAZN simultaneamente para garantir cobertura de todas as partidas da liga. Um absurdo!

Até aqui, das experiências que tive, destaco positivamente o acordo que levou o campeonato italiano (e tantas outras competições) para o grupo Disney. Até 2024, a Serie A será oferecida parcialmente na TV fechada, mas 100% no Star+. Isto é, todos os jogos da rodada serão exibidos na plataforma de streaming. E aqui está a vantagem que valorizo: pouco importa que não é o Milan ou a Juventus. Eu quero e posso assistir Empoli x Venezia, mesmo sem narração em português, mesmo sem os craques da liga. Se eu assim quiser. Outra coisa: neste cenário, não é preciso fazer assinatura de mais de um serviço.

Mas então qual é a batata quente que está queimando as mãos somente do torcedor?

Bom, a primeira é a concorrência já citada e que não ajuda ninguém. Ao contrário do que defende o liberalismo, quanto mais plataformas de streaming, pior. Por hora, o Star+ está concentrando Serie A, La Liga, Premier League, Ligue 1, NFL, entre outros. É até aceitável que empresas adquiram o direito de outros campeonatos, mas a quebra da mesma liga em dois provedores é no mínimo injusto com o consumidor.

A outra “brasa” mais inflamada é o total desrespeito com o torcedor. E isso não vale somente para quem procura essas assinaturas para acompanhar futebol em tempo real. O próprio Amazon Prime aplica verdadeiras arapucas ao exibir um conteúdo, mas, justo na hora de pressionar o “play”, ele exige o vínculo com mais uma plataforma para desfrutá-lo (Paramount, por exemplo).

A cada ano, a cada temporada, o espectador é obrigado a sacar o cartão de crédito para assinar um novo serviço. O pior caso foi sem dúvidas o do TNT Sports. Depois de mudar nome e identidade visual ao abandonar o antigo Esporte Interativo, a empresa de comunicação ainda transformou o EI Plus em Estádio TNT Sports.

Não “contente”, prestes a iniciar a Champions League 2021-2022, os narradores da emissora pediram aos assinantes para simplesmente esquecerem as milhões de vezes que propagandearam o Estádio TNT Sports para, agora, assinar um outro: o HBO Max. Um deboche.

Mesmo o Star+, celebrado neste artigo, não dividiu com a TV a estreia de Cristiano Ronaldo pelo Manchester United. A partida teve transmissão exclusiva no streaming. Seria esse o melhor modo de incentivar e elevar o número de assinantes? Duvido.

Em síntese, este novo meio de consumir futebol sacia vontades antigas dos torcedores: autonomia, controle, praticidade, mobilidade, flexibilidade, programação, e até preço. A média varia na casa dos R$ 30 por mês. Tem potencial para dar certo. O desafio, portanto, é não espelhar exatamente o que fez parte do público deixar a TV no passado – em especial o “autoritarismo” de determinar o que o público deve ver .

A concorrência prejudicial das plataformas cria uma sistema que, fosse na televisão, cada emissora da TV passaria um jogo do Brasileirão, e nós ainda teríamos que pagar separadamente por cada canal. Talvez, neste início de disseminação do streaming, seja preciso ter paciência para identificar os grandes players do mercado. Todavia, uma coisa é certa: continuar apresentando novas plataformas, uma atrás da outra, seguramente vai tirar a serenidade dos torcedores.

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