Casagrande e estrangeiros: o erro ao achar que isso tirou a Itália das Copas

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(Reprodução / X Esporte na Band)

A Band decidiu investir no mais completo paradoxo ao renovar sua grade esportiva com um programa que reúne Galvão Bueno, Vanderlei Luxemburgo, Casagrande, entre outros. Juntos, eles literalmente fazem o que fizeram durante décadas na TV brasileira. Sem problemas quanto a isso. É até curioso ver o trio na TV aberta, mas não no grupo Globo.

O “Galvão e Amigos”, a versão continuada do “Bem, Amigos”, do SporTV, teve um trecho específico do programa recortado e compartilhado algumas vezes no X. Assista abaixo ou leia a transcrição do depoimento de Casagrande sobre jogadores estrangeiros:





“Eu vou entrar na linha do número de jogadores estrangeiros. Quando eu cheguei na Itália, eram dois estrangeiros por time. Na minha segunda temporada, aumentou para 3. Já fizeram uma revolução por lá. Os jogadores italianos fizeram uma revolução, mas ficaram 3.

Nesse tempo, a seleção da Itália foi disputando Copa do Mundo, foi campeã em 2006. Quando abriu a comunidade europeia, a maioria dos países não eram mais estrangeiros, eles podiam transitar, a Inter de Milão, por exemplo, foi campeã da Champions e do mundo sem nenhum italiano dentro do time.

Sabe qual o resultado disso? A Itália ficou fora de duas Copa do Mundo. Porque não tem como revelar jogador.”



A constatação de Casagrande tem algumas imprecisões, mas comecemos pela parte factual, que nem é tão importante assim. Afinal, nem se trata exatamente de um erro com má intenção, mas de algo dito num programa ao vivo.

A Inter venceu o Bayern na final da Champions League 2009-2010 com 3 jogadores italianos no elenco (ele diz que não tinham italianos). Eles não eram titulares (talvez tenha sido esse o ponto), mas estavam lá. Eram eles: Francesco Toldo, Mario Balotelli e Marcos Materazzi.



“Antes era diferente”



O maior desafio, todavia, é provar o ponto contrário sobre “a Itália não ter ido à Copa do Mundo por não revelar mais jogadores em razão da presença de estrangeiros”. Até porque parece ser mais questão de perspectiva do que uma constatação apoiada por estudos e estatísticas.

O principal problema é citar a seleção da Itália de 2006, que venceu a Copa do Mundo na Alemanha. De fato, aquela versão da Squadra Azzurra tinha absolutamente todos os convocados atuando no campeonato italiano (relembre aqui). Portanto, um argumento a favor da preservação do espaço para talentos italianos, e não estrangeiros. Certo?

Realmente, a Itália teve sua última geração de ouro com quase todos os indivíduos no auge de suas carreiras. Ou do auge para o fim. Buffon, Cannavaro, Nesta (apesar das lesões), Pirlo, Totti, Del Piero, entre muitos outros. Até os coadjuvantes foram brilhantes, como Grosso e Materazzi.

O detalhe é que todos esses nomes, além das centenas de jogadores italianos que disputaram a Serie A na década de 2000, tiveram que competir com provavelmente os estrangeiros mais fortes do planeta na liga nacional daquela época.

No vídeo cortado, Galvão e Casagrande chegam a lembrar da “Sentenza Bosman”, que derrubou a regra que limitava a 3 o número de estrangeiros em cada equipe. Em 1990-1991, por exemplo, algumas equipes acabaram montando trios históricos e inesquecíveis, como o Milan, com Gullit, Van Basten e Rijkaard; o Napoli, com Maradona, Alemão e Careca; a Inter, com Klinsmann, Mattheus e Brehme e a Atalanta, com Evair, Stromberg e Caniggia.

Por um lado, faz sentido dizer que isso permitiu que outros italianos ocupassem lugares de destaque nos clubes. No entanto, essa versão deixa a entender que, caso não existisse a proibição, nomes como Maldini, Baresi e Baggio simplesmente não conseguiriam brilhar como fizeram. O que é difícil de acreditar.

Mas o ponto principal efetivamente se apresenta no pós-1995, quando a regra dos estrangeiros caiu. A Itália já ostentava o posto de “destino de craques do futebol”, mas evoluiu ainda mais. Para se ter uma ideia, das 10 premiações da Bola de Ouro que se seguiram, 5 foram vencidas por jogadores de times italianos. A Serie A era a Premier League daquela época.

Paralelamente, de 1995 até o título da Copa do Mundo 2006, a seleção italiana fez campanhas ordinárias em mundiais e perdeu uma final de Eurocopa. Na tese de Casagrande, o declínio deveria ter acontecido quase imediatamente ou, pelo menos, dentro dos 10 anos seguintes. E não aconteceu, pelo contrário.

Para a geração de 2006, que foi “moldada” após passar temporadas anteriores duelando na Serie A com Nedved, Shevchenko, Thuram, Vieira, Kaká, Batistuta, Zidane, Trezeguet e Crespo, fica parecendo que aconteceu precisamente o contrário: que ter estrangeiros de primeira prateleira acabou fortalecendo ainda mais os jogadores italianos.

Em 2007, um ano após o mundial vencido pela Azzurra, Kaká levou a Bola de Ouro após uma excelente temporada pelo Milan. No mesmo ano, Totti, já atuando mais como atacante, venceu a Chuteira de Ouro, prêmio de artilheiro com mais gols em toda a Europa. Um italiano brilhando na mesma liga do melhor jogador do mundo.

Um ano antes, Luca Toni (atacante italiano da Fiorentina e não “tão craque” quanto Totti) levou o mesmo troféu ao ficar à frente de Trezeguet, Shevchenko, Kaká, Adriano e Del Piero.

Outro problema ao criar a conexão entre a presença de estrangeiros na liga nacional e a queda de performance é a Premier League, talvez a competição mais “internacional” dentro de um cenário doméstico. O English Team melhorou, piorou ou se manteve o mesmo desde a transformação do campeonato inglês?



os 3 estrangeiros dos Times italianos 1990
Os 3 estrangeiros de cada time do campeonato italiano em 1990-1991 (Reprodução / Facebook)


O método italiano para revelar jogadores



Com muito estrangeiro ou pouco estrangeiro na Serie A, nada explica a Itália ficar fora de Copas do Mundo por perder para Suécia e Macedônia do Norte, ambas em casa.

Mas Casagrande levanta outro ponto sobre tudo isso ter a ver com a ausência de um plano de revelação de jogadores. Há uma imprecisão nesse argumento.

Em 2022, Jefferson, então jogador do Catania, me concedeu uma entrevista na qual falou sobre a obrigatoriedade de times de Serie D e Serie C de usarem jogadores “under”, ou seja, vindos das divisões de base. Na realidade, a imposição é aplicada apenas na quarta divisão, enquanto a terceira promove incentivos aos times que escalarem as jovens revelações.

Pois para a temporada 2024-2025, a Serie C seguiu com o mesmo protocolo em relação ao uso da base, com o aditivo de aplicação de sanções financeiras e perda de pontos em caso de violação do regulamento.

Embora tenha intenções nobres, o método não parece funcionar. Segundo Jefferson, o mais comum é ver jovens atletas sendo usados mesmo sem o talento necessário, apenas para cumprir a regra. Tanto que, tão cedo eles superam a idade considerada “under”, já são dispensados pelos clubes e se aposentam.

Apesar dessa perspectiva do problema, fica quase impossível conectá-lo com a presença massiva de estrangeiros na Serie A e a queda de desempenho da seleção italiana. Isso sem falar no título da Eurocopa de 2020. É como se a combinação de ausência de jovens talentos e existência de estrangeiros em demasia tivesse sido um problema em 2018 e 2022, saltando o troféu de 2020.



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