No ciclo do futebol internacional 2021-2022, os bons ventos acabaram por sortear o grupo C do campeonato italiano inserindo Palermo e Catania e unindo os rivais uma vez mais. Naquele momento, isso significou a reedição do Derby Di Sicilia, um dos maiores clássicos do campeonato italiano, que há algum tempo não acontecia.
O regulamento da terceira divisão italiana é bem peculiar. São 3 grupos com 20 times cada, cada um disputando somente com os integrantes do próprio grupo – com exceção do cruzamento de playoffs. Naquela edição, o derby realmente aconteceu, mas o fim da temporada foi bem distinto para as duas partes.
De um lado, o Palermo acabava de renascer. Depois de declarar falência, o rosanero tinha ressurgido na Serie D e conquistado o acesso no ano anterior. Na sequência, repetiu o feito, voltando para a Serie B. E mais: ainda fechou a venda da instituição para o Grupo City.
Já o Catania simplesmente declarou falência e sequer foi permitido terminar a temporada. No ato específico do “fechamento das portas”, a liga proibiu o time de jogar as últimas rodadas e ainda zerou sua pontuação. Afundado em dívidas, o clube literalmente desapareceu.
Alguns meses passaram e o esperado aconteceu, como já visto em diversos outros times e casos: o Catania foi refundado, criou novo nome, novo escudo, novo dono e fez sua inscrição na Serie D 2022-2023. É exatamente neste momento que o Golazzo entrevista Jefferson Andrade Siqueira, brasileiro que vestiu inúmeras camisas do futebol italiano e hoje é atacante do rossazzurri.
Depois de se destacar no Paraná, Jefferson foi contratado pela Fiorentina, onde e quando teve como companheiros de time jogadores da virtude de Frey, Gilardino, Mutu, Montolivo, entre outros. O vínculo com a viola foi longo, mas sempre pontuado por empréstimos. Após rodar muito por quase toda a Itália, o brasileiro agora é parte importante da reconstrução do Catania:
O Catania tinha muitas dívidas de anos passados, que só vinham acumulando e piorando. Eles preferiram deixar o clube morrer e renascer com um novo presidente [Ross Pelligra].
Esse presidente, com a potência econômica que tem, o projeto que tem, criou-se um entusiasmo aqui na cidade, algo incrível. Aqui há duas paixões: o futebol, que é o Catania Calcio, e Sant’Agata, que é uma festa de celebração do santo da cidade. São as duas coisas que eles mais sentem na cidade. Agora, onde você vai, mesmo na Serie D, tem um entusiasmo muito grande. Todo jogo o estádio está cheio. Estou sabendo que a prefeitura está com projeto pronto para melhorar e aumentar o estádio.
Jefferson em entrevista ao Golazzo
No ato da gravação da entrevista, o Catania estava na liderança do Grupo I (são 9 grupos no total, com 18 times em cada), vindo de 5 vitórias nos últimos 5 jogos. Mesmo não sendo titular em todos os jogos, Jefferson já brigava na artilharia – um dia depois do bate-papo, ele marcou de pênalti na vitória por 3×2 sobre o Sant’Agata.
No ato da publicação desta matéria, o brasileiro já celebrava 5 gols pelo Catania desde que chegou, melhor marca entre os artilheiros rossazzurri na temporada.
Golazzo: Como foi sua trajetória até chegar na Europa? Você surgiu em Guarulhos, depois foi para o Paraná e só depois para a Europa?
Jefferson: Sim. Cheguei no Paraná em 2004. Terminei o juvenil por lá, fui subindo bem, depois Taça São Paulo e profissional. Tive propostas pra vir pra Europa e também ficar no Brasil, mas a Fiorentina veio forte.
Não renovei e fiz o pré-contrato com a Fiorentina. Assim cheguei à Itália.
Você já citou a Fiorentina. Na sua carreira, foram mais de 10 clubes na Itália. A Fiorentina foi o maior?
Sim, com certeza. Infelizmente, ao chegar aqui tive uma grave lesão. Tomei uma cotovelada num jogo contra o Pisa, acabei quebrando a mandíbula e tive vários problemas depois.
Sofri bastante por 4 anos, até pensei em largar o futebol, porque me machucava com muita frequência. Aos poucos, comecei a passar por alguns doutores, que me ajudaram bastante.
Agora, estou ficando maior e mais velho e me sinto melhor. Estou igual vinho, praticamente.
Quem estava na Fiorentina nessa época?
Felipe Melo tinha chegado. Gilardino. Jovetic. Já tinha o Mutu, Montolivo, Frey, o goleiro. Era um bom time, até passou pela fase de grupos da Champions League.
Pra mim, aquele ano foi bom por um lado, mas no âmbito do futebol não foi muito bom não.
Depois disso você rodou por clubes de Serie B e Serie C. Você chegou a disputar a Serie A novamente?
Sim, na Bélgica. O diretor exigiu que eu fosse pra lá. Cheguei a jogar com Courtois, De Bruyne, Lukaku. Era o ano que eles estavam saindo ainda.
Na Itália, falavam que o campeonato belga era de baixa qualidade, mas eu não achei. O torneio foi muito bom, equilibrado, com 5 ou 6 clubes e muito bem visto por clubes europeus, como os da Inglaterra.
Depois disso, girei bastante. Fiquei 6 anos em contrato com a Fiorentina, mas com muitos empréstimos. Rodei bastante.
Noticiamos bastante no Golazzo que o Catania desapareceu. O clube estava disputando a Serie C 2021-2022, mas por causa da falência acabou proibido de disputar as rodadas finais do campeonato e teve a pontuação zerada.
Como e onde está o Catania atualmente?
Era uma coisa que estava para acontecer há dois anos. O pessoal estava querendo acabar com o Catania, porque tinha muitas dívidas de anos passados, uma situação que só piorava, só acumulava.
Eles preferiram deixar o clube morrer e renascer com um novo presidente [Ross Pelligra]. Esse presidente, com a potência econômica que tem, o projeto que tem, criou-se um entusiasmo aqui na cidade, algo incrível. Aqui há duas paixões: o futebol, que é o Catania Calcio, e Sant’Agata, que é uma festa de celebração do santo da cidade. São as duas coisas que eles mais sentem na cidade. Agora, onde você vai, mesmo na Serie D, tem um entusiasmo muito grande. Todo jogo o estádio está cheio. Estou sabendo que a prefeitura está com projeto pronto para melhorar e aumentar o estádio.
A escolha pra mim foi muito boa. Eu esperei acabar o calciomercato, não assinei com nenhum time, porque não gostei das propostas. Foi a melhor que fiz.
No final, apareceu essa proposta do Catania e foi uma das melhores coisas que aconteceu.
Depois da falência do Catania, até torcedores do Palermo mostraram solidariedade. Hoje, a diferença entre os rivais é bem grande. O Palermo até foi comprado pelo Grupo City. Existe o objetivo de retomar os bons tempos para voltar a fazer o Derby Di Sicilia?
Sim, com certeza. Aqui tudo tem comparação. Aqui tem a campanha do abbonamenti, que é o sócio torcedor. Há uns 4, 5 anos atrás, o Palermo tinha feito 10 [mil] e alguma coisa [de carnês vendidos]. Aí o Catania decidiu fazer mais que eles, e conseguiu.
Sempre tem essa coisa. Eles ficam olhando de lá. “Eles fizeram isso, então temos que bater esse recorde”. Sempre comparando as coisas.
O presidente [do Catania] quer subir e levar o Catania para a divisão mais alta. Os dois clubes querem a mesma coisa.
Como funciona a Serie D?
A Serie é bem mais complicada, porque tem muito time. Tem grupo A, B, C, D… Os campeões dos grupos sobem. Depois, se sobrar vaga ou algum clube perder o direito de estar na terceira divisão por não seguir normas com salários, abre-se mais vagas.
Mas não foi isso que aconteceu com o Catania ao ser excluído da Serie C?
Por exemplo: o Catania gasta 2 milhões de euros anuais. Naquele ano, eles deram uma quota e deveriam dar a segunda posteriormente, mas já estavam com problemas.
A liga deu um prazo, mas a administração do próprio Catania viu que não conseguiria cumprir, então desistiram. A Liga falou: “você não tem, então vai ter que ser excluído do campeonato”.
Tem muito time amador na Serie D?
Não, mas depende do grupo. O grupo do Catania tem times não muito conhecidos, mas com boa estrutura.
Por outro lado, tem time que parece que você está jogando em Guarulhos. A única coisa que faz você estar bem mesmo é quando joga em casa. Você sabe que é estádio de Serie A, tem a torcida.
Por exemplo: a gente foi pra Licata. Um campo horrível. Era um sintético utilizado há 20 anos atrás. Era praticamente um asfalto verde. Eu não sabia que chuteira usar. Não tem aderência.
Mas a Serie C já melhora bastante.
É verdade que times da Serie D e C são obrigados a ter jogadores da base no elenco?
Aqui tem essa obrigatoriedade de jogar com jogador jovem. Estão falando que na seleção italiana não tem mais jogador jovem, com perspectiva.
Na Serie D você é obrigado a jogar com 4 jogadores “under”. É obrigado. Se tirar um, tem que colocar outro.
Na Serie C pra cima, não é obrigatório, mas se você joga com 3 “under” por 90 minutos, a liga dá um incentivo ao time. No Latina, que eu estava jogando no passado, não tenho certeza absoluta, mas pelo que fiquei sabendo o clube usou “under” em praticamente todos os jogos. Eles pegaram quase 500 mil euros, então é uma boa recompensa.
Deve ser uma resposta a esses vexames que a Itália passou, né…
Exato. Aqui caíram matando na liga. Só que não sei o quanto essas regras podem ajudar.
Tem muito jogador que joga até 23 anos, depois não tem mais a idade, só que ele pensa que já é um jogador, mas não é. Pois nenhum clube vai querê-lo depois disso.
Tem uma associação (AIC – Associação Italiana di Calciatori) que disse que tem muito jogador diagnosticado com depressão. Depois de 23 anos ele não arruma mais clube e fica com depressão.
Você sabe dizer como é o processo para um clube “reassumir” a história antiga depois de falir e ressurgir na Serie D? Porque tudo muda: nome, escudo, etc…
Não tenho certeza, mas acho que aconteceu com time que está na Serie A agora, teve que esperar um tempo para recuperar o escudo original.
Até conseguir recuperar tudo, o time precisa utilizar os novos escudo e nome.
Vasco e Bahia estão encaminhando a transformação em SAF. Pelo que está passando aí com o Catania, você acha que tem motivo para torcedores terem medo de SAF?
Isso depende de quem está por trás. Muito difícil ficar falando. Eu espero que não aconteça nada. O clube tem que ficar com aquilo que era. A história tem que ficar intacta.
Se for para melhorar alguma coisa, reformular uma coisa que não estava indo bem, ok, mas se for para mudar história, eu não concordo. É falta de respeito com o torcedor.
Aqui no Catania o clube é italiano. Só o presidente que parece ser australiano e filho de italianos. Ele [o presidente] quer que o clube seja “appartenenza” (pertença) à cidade, que reflita o torcedor. Nesse ponto de vista, não teve nenhuma diferença. Está até melhor agora, porque voltou o entusiasmo na cidade.
Você acha que com uma boa administração, que parece ser o que está acontecendo com o Catania, não tem nenhum motivo para o torcedor temer que seu clube vire uma SAF?
Não, eles estão sendo bem claros com os torcedores. Estão adotando uma linha de transparência. Pegaram pessoas capacitadas mesmo, que colocaram diligência e estão sendo bem transparentes. Acho que foi a coisa principal para a torcida voltar a apoiar o próprio clube. Essa foi a coisa mais importante que eles fizeram.
Qual foi o melhor jogador que você teve ao seu lado, como companheiro de equipe?
Quando eu estava na Fiorentina, o Mutu era fora de série. Ele jogava muito. Qualidade técnica acima de média. Era o cara do time, praticamente.
Naquele ano, o Felipe Melo foi muito bem também. Tanto que no ano seguinte ele foi pra Juventus. Teve uns cartões vermelhos ali, mas jogou demais naquele ano.
E o melhor adversário?
Dybala, fora de série. Porque eu não o conhecia, já tinha visto jogar, mas não conhecia. Um cara que jogou comigo, e atuava no Palermo, me disse: “esse moleque vai estourar”.
Qual foi o melhor time que você enfrentou?
O Palermo de 2014, eles estavam na Serie B e subiram. Tinha Dybala, Belotti, Vasquez, Leiffert, Abel Hernandez, tinha um bom time.
Qual foi o melhor estádio que jogou? Pensando no gramado e na atmosfera…
O do Bari, o San Nicola. Em 2014, fizemos semifinal de playoffs. Tinha 63 mil pessoas, coisa linda, a arquibancada do estádio é altíssima.
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Jornalista e admirador de quase tudo que venha da Itália – especialmente gols e comida. Jamais identificado com a cobertura do campeonato italiano, fundou o Golazzo para noticiar, entrevistar e opinar sobre o calcio.