Curva Nord da Inter: quando torcer pela torcida, e não para o time, acaba em punição

Curva Nord Inter setor verde San Siro vazio
(Reprodução / Youtube Mondo Nerazzurro)

Faça um teste rápido em sua mente. Imagine um estádio do campeonato italiano abarrotado. Enquanto os jogadores entram e se enfileiram em campo antes do início da partida, as arquibancadas viram palco para um mosaico imenso, com frases e figuras montadas por meio da união de diversos e pequenos papéis coloridos.

Muito provavelmente seus pensamentos desenharam uma partida no San Siro, talvez nas cores de Milan ou Inter. Afinal, é difícil encontrar na Itália (ou fora) um grupo de torcedores que faça coreografias tão organizadas e impactantes quanto àquilo visto constantemente no San Siro. Uma explicação, além da criatividade dos responsáveis, pode ser a presença acentuada dos torcedores nos jogos em Milão. Logo na primeira rodada da Serie A 2022-2023, tanto rossoneri quanto nerazzurri abarrotaram o San Siro, uma das evidências do sucesso da campanha abbodamenti.

Tudo isso é necessário ser dito para evidenciar que a presença das torcidas, em especial as organizadas, faz acontecerem coisas que nenhuma outra organização faria ou sequer gostaria de fazer. Sejam os mosaicos, como dito, ou ainda os cantos, além da vital presença nos jogos fora de casa.

Entretanto, de tempos em tempos acabamos testemunhando episódios de “torcidas que torcem para a própria torcida”, e não para o clube. O Brasil é um verdadeiro especialista no assunto. Nem é preciso citar a violência acima de qualquer nível tolerável. Basta pensar em algum canto comum dos estádios para reparar que os nomes das organizadas acaba sendo repetido na canção mais vezes que o do próprio time.

Na Itália, tivemos mais um exemplo disso.

Na rodada 12 do campeonato italiano 2022-2023, a Inter recebeu e bateu a Sampdoria em casa. No pós-jogo, uma imagem bem esquisita saltou aos olhos e passou a repercutir nos jornais e redes sociais: o setor verde, atrás de um dos gols e local onde normalmente fica a Curva Nord, organizada nerazzurra, ficou absolutamente vazio durante o duelo. Pouco tempo depois e o motivo foi revelado: o “gesto” foi uma homenagem à Vittorio Boiocchi, antigo capo da torcida que foi assassinado em condições ainda misteriosas – ou pouco reportadas.

Por si só, o acontecimento já é no mínimo anormal, mas fica pior. Há muitas imagens circulando na internet de torcedores comuns sendo xingados, empurrados, intimidados e expulsos sob uso da força do setor pelos integrantes da Curva Nord. Uma ação de quem não é, mas age tranquilamente como se fosse dono do local. O resultado de tudo isso foi uma investigação pesada, que provocou a proibição de bandeiras, faixas, tambores e megafone para os próximos jogos da Inter, conforme comunicado publicado pela própria torcida.

Ainda que “em condições misteriosas”, com jornais citando e especulando uma organização ilegal de venda de ingressos, vagas em estacionamento e ambulantes, a morte de Vittorio nem deve ser debatida ou avaliada se era digna ou não de uma homenagem do tipo. O ponto está longe de ser esse. O real objeto de discussão é a atitude de uma torcida que parece, ao menos neste episódio, torcer mais para si do que para o time. Independente da proporção do impacto da morte de um capo, o ato de expulsar violentamente torcedores comuns é de um autoritarismo totalmente imbecil. Imagine se cada torcedor no San Siro, pensando numa média de 70 mil presentes a cada jogo, decidisse fazer algo semelhante.

Fica bem claro que a colaboração por meio dos mosaicos e cantos, de tão ímpar, fez as organizadas (a Curva Nord no caso, mas há vários outros exemplos) determinarem nas arquibancadas o que é torcer, como torcer, quando torcer e até quando não torcer também.

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