Os gemelli del gol são uma das várias formas e expressões poéticas que pontuam a cobertura e a torcida no futebol da Itália. De maneira bem resumida, dá para dizer que se trata de uma alcunha para citar as duplas de ataque do campeonato italiano. Mas não todas.
Em tradução livre, “gemelli del gol” significa “os gêmeos do gol”. Ou seja, é um elogio a dois atacantes que, tamanho o entrosamento, costumeiramente transformado em gols e títulos, são tratados como irmãos gêmeos.
Oficialmente, apenas duas duplas de ataque do campeonato italiano em toda a história foram dignas de serem chamadas assim. Embora realmente seja a mais pura verdade, o status de “oficial” é exagerado, pois não há meios pragmáticos para fazer o apontamento. Ainda que haja similaridades gritantes nas duas edições dos gemelli del gol, primeiramente nos anos 70 e depois no início da década de 90.
Uma coisa que seguramente firmou o adjetivo nas redações dos jornais, ao mesmo tempo que o gravou na cabeça dos torcedores, foi o sistema tático mais utilizado pelos times de futebol. Sem aprofundar na análise dos esquemas, já não é mais frequente como antigamente a escalação de dois atacantes com funções parecidas. Sem sequer citar os melhores exemplos, dificilmente veremos uma seleção italiana com Luca Toni e Gilardino na frente, como em 2006.
A opção por ter dois nomes fortes juntos no ataque tem caído em desuso por boa parte dos treinadores. Na retrospectiva recente, é possível citar Lautaro e Lukaku, no título da Inter em 2020-2021. Juntos, eles marcaram 41 gols em 38 rodadas (17 e 24 gols, respectivamente). Antes disso, contudo, não há um registro tão notável.
Uma das evidências pode ser a própria seleção italiana, como já dito. Acaba acontecendo em outros países, mas o futebol italiano, particularmente, tende a repetir em âmbito doméstico aquilo que a Azzurra faz com sucesso em cenário internacional. O esquema tático da vez é o tridente ofensivo, que levou o time de Roberto Mancini ao título da Euro em 2020, e obviamente não favorece o surgimento de duplas de ataque.
É por tudo isso que os verdadeiros gemelli del gol são:
Paolo Pulici e Francesco Graziani foram os primeiros gemelli del gol e estão no topo da lista dos maiores jogadores do Torino em toda a história. Se a equipe granata teve 3 períodos de glória, o último aconteceu muito em razão dos gols marcados pela dupla de atacantes.
Depois da Tragedia de Superga, que viu morrer (literalmente) a melhor geração do clube em todos os tempos – o Grande Torino – o sorriso voltou aos rostos dos torcedores somente em 1975-1976.
O ano marcou a conquista do scudetto, que só aconteceu por causa dos 21 gols de Pulici e os 15 de Graziani. Somando os dois, foram 36 dos 49 que o Torino marcou naquela edição do campeonato italiano.
O incrível entrosamento, motivo de orgulho para a torcida até hoje, se manteve pelas temporadas que vieram a seguir, mesmo sem novos troféus. Conquistas pessoais, como fechar o campeonato italiano como goleador máximo, continuaram brindando a dupla. Em 1976-1977, o título foi para Graziani. Em 1972-1973, 1974-1975 e 1975-1976, para Pulici.
Mesmo depois de todos esses anos, Pulici segue como maior artilheiro do Torino na história, enquanto Graziani figura na 5ª posição.
Duas décadas mais tarde foi a vez da Sampdoria ter sua versão dos gemelli del gol: Gianluca Vialli e Roberto Mancini. Houve duplas marcantes antes e depois dos atacantes da Samp, mas só ela acabou recebendo a mesma alcunha dos “irmãos” do Torino.
Não há muito mistério ou explicação para isso ter acontecido. Afinal, estamos falando dos dois maiores jogadores do clube e também do par que lidera a artilharia da Sampdoria em toda a história (171 gols para Mancini e 141 para Vialli).
Os dois protagonizaram o ataque blucerchiato por quase 10 anos. Além dos números impressionantes já citados, eles foram responsáveis por garantir a conquista dos principais títulos do clube. Foram Copa Itália, Copa das Copas e o scudetto de 1990-1991.
A parceria foi tão especial que acabou reeditada, mesmo anos depois da aposentadoria de ambos. Roberto Mancini e Vialli foram treinador e auxiliar da seleção italiana campeã da Euro 2020.
Ao longo da história do campeonato italiano, muitas outras duplas fizeram tanto sucesso quanto as duas citadas, mas acabaram não recebendo o título de gemelli del gol. Aliás, durante muito tempo o futebol italiano se manteve como um grande reduto de times com dois atacantes poderosos no time titular.
A união de Cassano e Pazzini na Sampdoria, de 2009 a 2011, foi uma daquelas improváveis e que dão muito certo.
Por um lado, Pazzini tinha deixado a Fiorentina após ser praticamente revelado pelo clube de Florença, mas sem ter atingido o grande momento de projeção. Por outro, o craque Cassano que deixou a Roma para o Real Madrid tinha regressado à Itália com um status mais “humano”.
Ambos brilharam tanto em Gênova que acabaram indo, posteriormente, para os grandes de Milão.
Luca Toni e Adrian Mutu se encontraram na Fiorentina na hora certa. O primeiro já vinha sendo artilheiro pelo clube de Florença, atingindo a marca de 31 gols em 2005-2006, rendendo a chuteira de ouro daquela temporada. O segundo, depois de rodar bastante dentro e fora do campeonato italiano, desembarcou por lá exatamente em 2006.
Juntos, acabaram entrando em campo somente uma temporada, mas foi suficiente. A conexão no ataque segue viva na memória dos torcedores. A parceria acabou quando Toni foi para o Bayern, mas Mutu permaneceu até 2011.
Inzaghi e Shevchenko formaram outra dupla marcante de uma das melhores fases do Milan.
Em campo, os dois não apresentaram precisamente uma conexão ou entrosamento. Por vezes, os atacantes chegaram a disputar a mesma posição no time titular.
Os jogadores foram companheiros de clube por cerca de 6 anos. No período, Inzaghi marcou 126 gols, enquanto Shevchenko anotou 175.
Durante 10 anos, falar os nomes de Del Piero e Trezeguet foi um jeito diferente de dizer “Juventus”. Quando estiveram juntos em campo, os atacantes formaram a melhor dupla possível da vecchia signora.
Individualmente, eles estão na lista dos maiores artilheiros da Juve. Del Piero é o líder de todos, com incríveis 290 gols, enquanto o francês ocupa a 4ª posição, com 171.
A dupla conquistou títulos importantes, mas também permaneceram no clube após o escândalo do Calciopoli, que os levou para a Serie B do campeonato italiano.
As imagens “fora” do futebol entregam como era (e ainda é) bom o relacionamento entre Ronaldo e Vieri. De gols em campo a entrevistas engraçadas fora, a dupla marcou uma rápida época na Inter.
A amizade entre os atacantes começou em 1999, mas “acabou” tragicamente em 2002, ano da primeira grande lesão no joelho do Fenômeno.
Assim como a Sampdoria, o Parma viveu alguns anos como protagonista no futebol doméstico, mas também no internacional.
A geração que bateu de frente com a Juventus e brilhou na Europa tinha no ataque os nomes de Crespo e Chiesa. Unidos, eles se tornaram uma das maiores duplas de ataque do campeonato italiano ao bater a marca de 100 gols.
De todas as duplas citadas, a que provavelmente ergueu mais títulos foi Gullit e Van Basten, pelo Milan. Os holandeses levaram a sintonia da seleção nacional para o clube (ou vice-versa) e entraram para a história do futebol.
Entre o fim dos anos 80 e início dos 90, o Milan venceu absolutamente tudo, e muito em razão das atuações dos dois atacantes. Se o rossonero é o italiano com mais troféus de Champions League, os agradecimentos devem ir também a Gullit e Van Basten.
Tamanha a sincronia entre Maradona e Careca que às vezes parece que passaram anos e anos defendendo o Napoli. No entanto, foram “apenas” 4, mas o bastante para eternizá-los por lá.
Fora as atuações, a dupla venceu Copa da Uefa, scudetto e Copa da Itália, basicamente os principais títulos do clube na história. Pra sempre e definitivamente, uma das maiores duplas de ataque do campeonato italiano.
Jornalista e admirador de quase tudo que venha da Itália – especialmente gols e comida. Jamais identificado com a cobertura do campeonato italiano, fundou o Golazzo para noticiar, entrevistar e opinar sobre o calcio.
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