Editorial

Calciopoli: o escândalo que sujou o campeonato italiano em 2006

O que foi o escândalo do Calciopoli?

O Calciopoli foi o nome dado ao escândalo do campeonato italiano que, após investigações de 2004 a 2006, revelou esquemas de pressões em árbitros, além de ameaças e entrega de presentes, para obtenção de resultados.

Quando aconteceu o Calciopoli?

O Calciopoli encerrou investigações em 2006, mas as indagações foram iniciadas em 2004. Portanto, entre os campeonatos italianos 2004-2005 e 2005-2006

Quais foram os times punidos no Calciopoli?

Juventus, Milan, Lazio, Fiorentina, Arezzo e Reggina foram os times punidos no escândalo do Calciopoli.

Qual foi a sentença para a Juventus no Calciopoli?

A Juventus foi o time que recebeu a pior punição no Calciopoli. A vecchia signora teve um título anulado e ainda viu outro sendo transferido para a Inter. Além disso, o clube foi enviado para a Serie B, onde começou a temporada com pontuação negativa.

O Calciopoli foi o termo criado para identificar o escândalo do campeonato italiano de 2006, considerado por muitos o maior de todos os tempos no país.

A respeitadíssima enciclopédia Treccani define o Calciopoli da seguinte maneira:

Em linguagem jornalística, o conjunto de ofensas desportivas, destinadas a favorecer algumas equipes em detrimento de outras, que chocou o mundo do futebol às vésperas do campeonato mundial de 2006, levando a julgamento e condenação pela justiça desportiva, de alguns de seus protagonistas (em particular a Juventus, rebaixada para a Série B, e seus ex-dirigentes). 2. extens. O escândalo e as investigações relacionadas que se seguiram.

Citação do Calciopoli na Enciclopédia Treccani

A definição em si é importante para entender verdadeiramente o que as investigações descobriram e porque alguns clubes foram punidos.

Mesmo sem a plena certeza do que aconteceu no futebol italiano entre 2004 e 2006, é concordante, pelo menos, o tamanho do impacto causado. As pessoas podem não conseguir explicar, mas seguramente levantam as sobrancelhas ao ouvir falar no termo Calciopoli.

Mais de 10 anos depois do ocorrido, o assunto continua sendo explorado pelo noticiário e também pautando debate e brincadeiras entre torcedores. Enquanto parte dos fãs da Juve simplesmente ignora os títulos perdidos, obras continuam sendo publicadas, seja em formato de documentário ou mesmo livros.

Apesar de tudo isso, tão importante quanto saber o que foi o Calciopoli é saber o que não foi. Pois, mesmo diante de todos os excelentes materiais produzidos sobre o assunto, ainda há confusão sobre como as coisas se desenrolaram e o porquê também.







O que NÃO foi o Calciopoli?



No Instagram do Golazzo, um tempo atrás foi publicada uma enquete perguntando às pessoas como elas definiriam o Calciopoli. Os usuários tinham as seguintes opções para escolher:

  • Compra de Árbitros
  • Pressão em árbitros
  • Casa de apostas armando resultados
  • Compra de jogadores

Surpreendentemente, mais de 10 anos passados desde as primeiras documentações e reportagens, e muita gente demonstrou ainda não ter a real noção do que foi o escândalo.

Das opções erradas, destaque para duas em especial: casa de apostas armando resultados e compra de árbitros.

Não, o Calciopoli não teve absolutamente nada a ver com nenhum dos dois casos.

A confusão pode ser explicada por um histórico bem particular entre campeonato italiano e casa de apostas. Já tem um tempo que a prática é completamente legalizada não só na Itália, mas em toda a Europa. Recentemente, as apostas em jogos de futebol se tornaram comum e hábito forte até mesmo no Brasil.

A “relação” entre o esporte e os palpites valendo dinheiro fez surgir histórias nada virtuosas ao longo da história. Aqui no Golazzo, o goleiro brasileiro Angelo Da Costa, ex-Sampdoria e Bologna, já contou como foi abordado para participar de um esquema de armação de resultados. O ex-atacante Tuta também já falou sobre o jogo no qual anotou o gol da vitória e seu próprio time não comemorou. Atitude, no mínimo, esquisita.

Casos assim, e a enorme recorrência com que ainda aparecem em todas as divisões do campeonato italiano, são os grandes geradores de confusão na hora de falar de Calciopoli.

Todavia, o escândalo que explodiu em 2006 se sucedeu de maneira mais simples, mas igualmente maliciosa. Sem compra de jogadores, tampouco de árbitros.

Outro “erro” comum na recordação e na interpretação do caso é focar exclusivamente na Juventus. Como se a vecchia signora fosse tanto a única responsável como a coordenadora de todos o esquema. Ainda que o clube tenha sofrido a sentença mais pesada e exemplar, houve outros clubes envolvidos no escândalo.



Calciopoli: o escândalo de 2006



Livro A History of Italian Football dedica boas páginas ao ‘maior escândalo do futebol italiano’ (Golazzo)


Apesar do tamanho das punições e o barulho feito em 2006, o maior escândalo da era moderna do futebol italiano é mais simples de entender do que se imagina.

Resumidamente, o Calciopoli foi:

Dirigentes de clubes se comunicando ardilosamente com membros da federação de arbitragem para causar pressão nos árbitros.

O objetivo era passar uma mensagem, como quem diz: “não erre contra certo time ou você terá consequências ruins na sua carreira”.

Para se ter uma ideia, tantos anos passados desde investigação, descoberta e sentença, e o caso ainda é lembrado em toda e qualquer retrospectiva do futebol italiano daquela época. E olha que tudo ocorreu em meio ao título da Itália na Copa do Mundo 2006.

Contudo, para entender cronologicamente os eventos mais importantes do Calciopoli, é necessário partir de dois anos antes do mundial.

Uma das formas de fazer a viagem no tempo é se debruçar no documentário Bad Sport, da Netflix. A obra consiste em episódios independentes, sendo que o 3º é dedicado inteiramente ao Calciopoli de 2006. Ou ainda no livro Calcio – a history of the italian football, de John Foot, que traz algumas páginas sobre o tema.

Confira nossa análise aqui:






Como o Calciopoli começou?



As coisas começaram precisamente em julho de 2004. E começaram por iniciativa do promotor de justiça, Pino Narducci.

Acostumado a lidar e, segundo o próprio diz no documentário sobre o Calciopoli, ser ameaçado no combate ao crime organizado, Narducci recebeu indícios de um possível caso sem dimensões no futebol italiano. O material chegou por meio de um informante infiltrado na Camorra, a principal organização mafiosa de Nápoles, viva até hoje no sul da Itália.

Segundo conta o promotor, não havia evidência suficiente do que estava acontecendo. Na realidade, sequer era possível ter conhecimento do que exatamente estava acontecendo. As informações indicavam uma possível influência para favorecimento de alguns times do campeonato italiano Serie A.

Com a suspeita, contando com a colaboração do detetive Attilio Auricchio, de Roma, os investigadores conseguiram autorização judicial para grampear diversos diretores de futebol, árbitros e membros da federação de arbitragem.

O objetivo era escutar toda a comunicação entre essas pessoas, de modo que se descobrisse e gerasse evidências do esquema. Narducci e Auricchio, então, passaram a analisar as conversas registradas, principalmente antes dos sorteios dos árbitros de cada jogo, mas também no pós-partida. Em dado momento, os alvos da operação chegaram a substituir os celulares convencionais por outros descartáveis. Uma prática típica de grupos mafiosos, mas que não surtiram tanto efeito.

As escutas valeram a pena.



Como funcionava o Calciopoli?



Luciano Moggi, ex-diretor da Juve e um dos protagonistas do Calciopoli (Reprodução / Youtube The Arena ltd)


As sentenças do Calciopoli revelam que diretores de muitos clubes estavam envolvidos num grande e malicioso esquema. Contudo, a figura mais marcante das conversas gravadas e grampeadas foi Luciano Moggi, antigo diretor de futebol da Juventus.

Moggi é uma das grandes figurazzas do futebol italiano. Depois de passar pela administração desportiva de Roma, Lazio, Torino e Napoli, ele chegou à Juve em 1994.

Há duas maneiras de lembrar o trabalho feito por ele até 2006. O lado virtuoso da história resgata as contratações de nomes como Zidane, Buffon, Cannavaro, Nedved. Com esses reforços, e muitos outros, de 94 a 2006, Moggi viu a Juventus vencer títulos importantes, incluindo Champions League e Mundial de Clubes.

Contudo, em 2006, o diretor acabou sendo “carimbado” com o rótulo de grande articulador do Calciopoli.

Em meio a tantas horas de áudios gravados pela procuradoria, o que se destaca é Luciano Moggi tendo conversas nada normais com membros da federação da arbitragem. Nos áudios, divulgados praticamente na íntegra no documentário já citado, são notadas articulações para influenciar o sorteio de árbitros nos jogos da Juventus (e também de outros, de certa forma, conectados com a Juve); além de explícita ameaça a árbitros em casos de decisões que prejudicassem a vecchia signora.

Resumidamente, além de suposta e praticamente determinar quem apitaria os jogos dos bianconeri, Moggi também pressionava árbitros que erravam contra seu time. Às vezes, pessoalmente. Em uma das gravações, no duelo entre Reggina e Juventus, que acabou num controverso 2×1 para os mandantes, o diretor da Juve teria até mesmo trancado os árbitros no vestiário. Depois, o próprio Gianluca Paparesta, que apitou aquele jogo, negou o ocorrido. No entanto, diante do “desagrado” de Moggi, ele seu bandeirinha foram enviados para a Serie B. O grampo telefônico chegou a registrar o auxiliar chorando e implorando para não ser punido. Mas foi.

O caso foi apenas um de vários, mas serve para explicar exatamente como funcionava o Calciopoli. Não havia casa de apostas, nem compra de jogadores. Na realidade, diretores de futebol faziam pressão em árbitros, utilizando a própria federação de arbitragem e até mesmo a imprensa, para pressionar juízes, de modo que seus times fossem favorecidos.



Quais foram as sentenças e punições do Calciopoli?



As investigações começaram em 2004, na temporada 2004-2005, e se encerraram somente em 2006. O ano, embora importante para o futebol italiano ao lembrarmos do título da Copa do Mundo, também ficou igualmente marcado (pra não dizer manchado) pelas sentenças do Calciopoli.

Embora a Juventus esteja no centro de todo o esquema, sobretudo por ter sido campeã durante os dois anos de investigação, outros diretores de outros clubes também foram identificados, acusados e sentenciados.

Em depoimento à justiça, inclusive, quando confrontado com os áudios, Moggi preferiu não dizer que eram falsos ou coisa do tipo. Surpreendentemente, o ex-diretor da Juve disse:

“E não pode?”

Luciano Moggi no documentário Bad Sport, sobre as conversas que teve com a federação de arbitragem antes dos sorteios


Juventus



A vecchia signora foi a principal envolvida e punida em todo o esquema. Ver a Juventus na Serie B foi o que restou após inúmeras denúncias de armações. Ela perdeu os títulos 2004-2005 e 2005-2006, sendo que neste acabou sem o título por ser mandada judicialmente para a última posição.



Milan



Assim como os demais clubes envolvidos, o Milan sofreu uma punição pesada, que depois foi diminuída. No final das contas, o rossonero começou a temporada 2006-2007 com -8 pontos e perdeu a vaga direta (antes conquistada) para a Champions League.



Lazio



A Lazio foi rebaixada para a Serie B, mas viu a decisão ser revogada. Sua punição final foi iniciar a temporada seguinte com -3 pontos e não disputar a antiga Copa da UEFA.



Fiorentina



A Fiorentina havia surpreendido a todos conquistando uma vaga para a Champions League. Todavia, após o escândalo, perdeu o direito de disputá-la e iniciou o campeonato com -12 pontos. A inesperado aconteceu novamente na temporada e, mesmo com o saldo negativo, conquistou a vaga uma vez mais.



Arezzo



Nem os times da Serie B escaparam do peso da justiça. O Arezzo foi enviado da segunda para a terceira divisão, e ainda iniciou a temporada seguinte com -9 pontos.



Reggina



A participação da Reggina no escândalo sempre esteve coberta de incertezas. Mesmo assim, a punição foi aplicada, com -11 pontos e multa de 100 mil euros.



Calciopoli no Netflix



Documentário Bad Sport tem um episódio dedicado ao Calciopoli (Divulgação)

Como dito anteriormente, uma das formas modernas de explorar o assunto é via o documentário Bad Sport (“Jogo Comprado”, em português), produzido e publicado na Netflix.

Em uma série de episódios na temporada única feita até a publicação deste artigo, o conteúdo aprofunda em cada um deles um caso importante sobre falcatruas nos esportes. Há um inteiramente dedicado às Olímpíadas e outro sobre o basquete universitário nos Estados Unidos.

O episódio que aborda os acontecimentos do Calciopoli é o de número 3, cujo título é Escândalo no Futebol Italiano. Em pouco mais de 1 hora, o documentário parte do início das investigações, dando voz ao promotor Narducci, e chega até mesmo a Luciano Moggi, principal envolvido na trama e que tem a oportunidade de contar sua própria versão dos fatos.

Embora rapidamente, a obra consegue aprofundar bem cada um dos eventos do Calciopoli, com destaque para a reprodução dos áudios originais dos grampos telefônicos. Isso sem falar no resgate de imagens reais dos jogos polêmicos nas temporadas 2004-2005 e 2005-2006.



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