Baschirotto, capitão do Lecce, no primeiro jogo do Lecce após a morte de fisioterapeuta (Reprodução / Youtube Serie A)
O campeonato italiano tem particularidades difíceis de explicar para quem o acompanha somente em dias de jogos importantes na TV. Fora dos holofotes que o horário nobre da televisão a cabo recebe, há eventos e acontecimentos que desafiam a compreensão dos “telespectadores normais”.
O Papa Francisco morreu numa segunda-feira, 21 de abril, aos 88 anos. No mesmo dia, deveria acontecer uma rodada inteira (10 jogos) da Serie B italiana, além das últimas 4 partidas da Serie A. Na Itália, a notícia foi confirmada na passagem da madrugada para a manhã, provocando o imediato adiamento de todos os compromissos do futebol profissional.
Um exagero? Muito provavelmente, mas não para os italianos. Talvez para alguns. Mas estamos falando de um torneio com severos problemas de punição em casos de cânticos racistas e xenofóbicos. Jogadores negros não são constantemente insultados, mas isso ainda acontece. O mesmo para atletas sérvios, chamados de “ciganos” com certa frequência.
Porém, se tem uma coisa que funciona no futebol italiano é a punição por blasfêmia.
Certa vez, tentando orientar sua zaga, o goleiro do Frosinone, Stefano Turati, foi flagrado berrando “Porco Dio” (“Deus porco”, em tradução livre). Identificado com uso de gravação de imagem e som, ele foi suspenso por uma rodada na Serie A.
O mesmo aconteceu com Rolando Mandragora, quando defendia a Udinese, e foi filmado enquanto berrava um libertador e vulgar “Porca Madona” (“Nossa senhora porca”, em tradução livre).
Ambas as expressões, embora usem termos considerados sagrados para a maioria, são formas que o povo italiano usa para esbravejar e lamentar o acontecimento de algo. Quase com o mesmo sentido que os brasileiros dizem “porra”.
O fato é que a religião é algo seríssimo para os italianos, dentro e fora do futebol. Tanto que, dentre as poucas vozes que criticaram o adiamento de jogos por causa da morte do Papa, os ouvidos foram os torcedores que já tinham feito a viagem para acompanhar seus times em duelos fora de casa. “Azar o deles”. Ninguém disse isso, mas o efeito foi esse, sim.
Pois na mesma semana da morte do Santo Padre, mas já no alto da rodada seguinte da Serie A, o Lecce foi abatido com a notícia de que Graziano Fiorita, seu fisioterapeuta e amigo próximo do elenco, tinha morrido. No mesmo dia do ocorrido, o clube já tinha feito a viagem a Bergamo para enfrentar a Atalanta, concluindo uma distância de mais de mil quilômetros.
Obviamente que o jogo foi adiado, mas de sexta-feira para o domingo seguinte, ou seja, menos de 72 horas de distância. Na prática, a inteira delegação do Lecce não conseguiu sequer velar e homenagear Graziano, mesmo tendo solicitado formalmente à Serie A. A nova data para o duelo foi alterada para 27 de abril e o velório acabou marcado para 29 de abril.
A revolta do Lecce foi tamanha que o time foi para o jogo contra Atalanta (que acabou em 1×1), mas com um uniforme completamente descaracterizado, afirmando ser uma resposta a uma “atitude terrivelmente desrespeitosa”. Leia trecho da nota:
Jogaremos, mas o faremos vestindo uma camisa branca anônima, que não nos representa, sem cores, brasões e logotipos. Vestiremos nossa camisa novamente quando Graziano voltar para casa e for homenageado, como merece, por seu povo.
Como prometido, o Lecce foi a campo de maneira irreconhecível. As tradicionais cores vermelha e amarela foram substituídas por um sólido branco, do peito às meias, com apenas uma frase escrita: “Nenhum valor. Nenhuma cor”.
Os momentos que antecederam o duelo em questão foram marcados por homenagens vindas até mesmo dos atletas da Atalanta, além da captação de imagens do setor visitante do Gewiss Stadium, completamente vazio.
Os absurdos que cercam essa história são tamanhos que, obviamente, o duelo também foi pontuado pela sinalização de um minuto de silêncio em lembrança do Papa. Algo que ninguém discute, mas que vira automaticamente uma reflexão com ares de revolta ao nos perguntarmos: afinal, qual rodada deveria ter sido adiada em uma semana?
Para fechar: e se eu encerrar esse texto alertando para uma possibilidade de a Lega A punir o Lecce por não ter utilizado o uniforme nos moldes do regulamento?
Jornalista e admirador de quase tudo que venha da Itália – especialmente gols e comida. Jamais identificado com a cobertura do campeonato italiano, fundou o Golazzo para noticiar, entrevistar e opinar sobre o calcio.
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