O ano parecia encerrado para o futebol italiano. Sem a Itália na Copa do Mundo, uma vez mais vergonhosamente incapaz de se classificar, os meses de novembro e dezembro jogaram o calcio em sono quase profundo, a não ser pelos sempre bem-vindos jogos da Serie B, que não parou.
Enquanto os países envolvidos no mundial disputavam vagas nas oitavas, os jogadores da Serie A italiana experimentavam férias num mês sempre reservado para rodadas finais do primeiro turno. É até curioso ver o contorcionismo feito por jornais e páginas para gerar conteúdo num período bem sonolento.
Mas a Juventus resolveu a situação formidavelmente.
De um dia para outro, mais precisamente de 28 para 29 de novembro de 2022, até clubes “não rivais” comentaram a nova realidade bianconera. Para se ter uma ideia, até a La Liga resolveu dar pitaco, para não dizer cobrar a Juve pelo ocorrido.
Mas o que ocorreu? O longo e hipertécnico comunicado publicado pelo clube explica muito mal a situação – talvez de propósito, assim como ocorria no antigo caderno de economia. A versão simples e mais dura da coisa é: Agnelli e Nedved pediram demissão dos cargos de presidente e vice e extinguiram o conselho de administração bianconero.
O motivo?
A conta apresentada em junho de 2022 não fechou, gerando perguntas até então sem respostas ao Ministério Público e ao Tribunal de Turim. Agora, novas pessoas assumirão para refazer toda a matemática e, talvez, provar que não houve irregularidade no período. Detalhe: tudo isso está no comunicado divulgado pela própria Juve – claro, transcrito em outros termos.
Pois bastou uma simples manchete para desencadear uma empolgação carregada de suposições e algumas mentiras. Teve gente vislumbrando um rebaixamento imediato da vecchia signora. Outros já ligaram o episódio ao Calciopoli. Alguns foram além e imaginaram um desmonte do elenco bianconero com diversos atletas disponíveis no mercado.
Nada disso é certo. O desligamento de presidente e vice é claramente uma tentativa de livrar primeiramente as pessoas de condenações individuais, porém, no pior caso, também desvencilhar o clube das ações dos seus chefões. Meio difícil de entender, não? Talvez funcione no meio jurídico.
Nessa bagunça toda fica a indignação e o não entendimento de como as coisas chegaram a esse ponto. Perceba, não estamos falando de ações semelhantes ou que cheguem perto do já mencionado Calciopoli. Não houve pressão em árbitros para manipulação de resultados. Não houve suborno ou abuso psicológico direcionado a ninguém. O que há são informações de “confusão”, para ser gentil, na documentação de salários de jogadores, que foram reduzidos temporariamente durante tempos de pandemia. Chegou ao ponto de citarem mensagens de Chiellini no WhatsApp instruindo jogadores a não falarem sobre o tema com a imprensa. Uma grande bagunça.
E pior: os dados em cheque se referem ao período de 2019 em diante. Ou seja, estamos falando de uma suposta manobra salarial para garantir a montagem de uma das gerações mais decepcionantes dos últimos anos. De título conquistado, só a Copa Itália 2020-2021. Isso sem falar na obsessão e decepcionantes campanhas na Champions League.
Foram 12 anos de Andrea Agnelli na presidência da Juventus. Ao contrário da cerimônia de posse, a despedida sequer aconteceu. Também pudera, era só o que faltava. O “adeus” foi encontrado no comunicado já citado, que tem tanto de complexo quanto tem de fúnebre. Agnelli foi mais um da família a liderar a vecchia signora em anos muito virtuosos, com 9 títulos de campeonato italiano e duas finais de Champions. Mas a que preço? Esse é o ponto, ninguém sabe o preço. Talvez o próximo presidente saiba. Para o bem da Juve, é bom que saiba.
Jornalista e admirador de quase tudo que venha da Itália – especialmente gols e comida. Jamais identificado com a cobertura do campeonato italiano, fundou o Golazzo para noticiar, entrevistar e opinar sobre o calcio.
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